quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Toninho, Churchill e o demônio - Carta resposta a Luiz Claudio Cunha sobre o artigo

Caro Luiz Claudio Cunha,
Envio minha carta-resposta ao artigo que você divulgou em vários meios de comunicação.
Espero ter respondido às suas prinicpais indagações e posicionamentos. Com muito respeito e atenção, solicito que você repasse àqueles para quem você enviou seu texto. Atenciosamente. TONINHO.

Brasília, 09 de outubro de 2010

Querido jornalista e amigo Luiz Claudio Cunha

Quis o destino que exatamente no dia em que o corpo de Ernesto Che Guevara foi apresentado como troféu de guerra pelas tropas do governo boliviano, por agentes da CIA e tropas especiais de combate à guerrilha no longínquo 09 de outubro de 1967, eu esteja respondendo ao querido e admirado jornalista, símbolo da resistência democrática em nosso país e ícone da imprensa livre e combativa.

Respeitarei sempre suas opiniões e posições políticas, com as quais posso ou não ter acordo. Guevara morreu acreditando que era possível revolucionar a América Latina e nunca se afastou de sua crença inabalável no socialismo e na liberdade para o povo pobre e oprimido. Desde a juventude me espelho em seu exemplo.

Espero, sinceramente, que você não se arrependa de ter votado em mim, conforme sua declaração de voto. Eu não sou e nem pretendo ser o dono da verdade. Aos 57 anos de idade, continuo aprendendo e ensinando sempre que possível, na mais pura dialética, principalmente quando estamos na arena da luta política. Sua carta, mesmo com termos duros, é de extrema sinceridade e paixão. É uma carta entre amigos. Dessa forma também pretendo respondê-la.

Gostaria que você soubesse que minha militância política começou de forma organizada em fins de 1975, na Universidade do Estado da Guanabara, onde tomei contato pela primeira vez com um grupo político de esquerda, socialista, e que fazia o combate e resistência à ditadura militar. Pertenci à organização Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP). Desde então, nunca me afastei do generoso ideário socialista, pelo qual venho lutando incessantemente por acreditar que é possível construir uma nova sociedade, com democracia, participação e controle popular sobre o Estado e seus agentes nos Três Poderes. Após essa fase da resistência à ditadura militar, ajudei em todos os movimentos pela redemocratização de nosso país. De forma militante e ativa. Além de fundador do PT, também ajudei na criação e consolidação da CUT – Central Única dos Trabalhadores e de inúmeros sindicatos dos servidores públicos e da FENASPS, entidade nacional representatividade dos servidores da Previdência Social.

Eu estava no Colégio Sion no histórico 10 de fevereiro de 1980, na fundação do PT. À época, viajamos de trem do Rio de Janeiro para a fundação e concretização de nosso sonho na cidade de São Paulo.Tenho muito orgulho de ter sido testemunha e participante ativo desse fato histórico. Estava junto de Mario Pedrosa, Apolônio Carvalho, Plínio de Arruda Sampaio,Ivan Valente, José Eudes, Lula, Jacó Bittar, Helio Doyle, Olívio Dutra, Sidney Lianza, Paulo Rubem Santiago, Hildezia Medeiros, Godofredo Pinto, Luis Soares Dulci, Tarso Genro, Álvaro Lins, Edilson de Paula Andrade, Álvaro Lins, Chico Mendes, Nabor da Silva, Zezé Mota, Zé Rodrix, Lizt Vieira, Lizânes Maciel, José Genoíno, Manoel da Conceição, Irma Passoni, Frei Beto, Iná Meireles, Nivaldo Guimarães, Elio Cabral de Souza, Paulo Faria, Airton Soares, Paulo Frateschi, Bete Mendes, Lelia Abramo e centenas de outros dirigentes e líderes promissores das lutas sociais, principalmente de sindicalistas, militantes da Igreja Católica vinculados à Teologia da Libertação, estudantes, professores e membros das organizações clandestinas da esquerda revolucionária, que desde o início acreditaram na idéia de criar um partido que representasse a classe trabalhadora fora dos marcos da política tradicional brasileira. Me orgulho de ter participado desse feito da história política de nosso país.

Você deve estar perguntando porquê falar desse caminho por onde andei nos últimos 36 anos da história de meu país. Respondo com emoção, que sempre procurei estar em consonância com os princípios aprendidos, primeiro em casa, sob o rígido e às vezes doloroso método de educar e ensinar dos descendentes de imigrantes italianos, que desde nossa tenra infância éramos obrigados a cumprir jornadas de trabalho muito duras para as crianças (tínhamos que fazer as “obrigações”) na roça, ainda na zona rural de Barão do Monte Alto, e depois na padaria de meu pai na pequena cidade de Tombos, ambas situadas na Zona da Mata de Minas Gerais. Reafirmo que aprendi desde muito cedo a ser responsável, honesto e a cumprir minhas obrigações com o trabalho. Isso forjou meu caráter para sempre. Claro que gostaria muito de ter tido mais tempo para as brincadeiras que toda criança tem direito de ter. Não deixei de nadar nos rios e jogar futebol e participar da vida das demais crianças. No entanto, meu caráter foi forjado desde muito cedo. Devo muito aos meus antepassados e à minha família, o caráter que adquiri e que quero manter até o fim de minha vida como herança de minha família, principalmente de meu pai e de minha mãe, já falecidos.

Sei que não é um caminho fácil. Fácil seria ter permanecido no PT, principalmente depois da vitória de Lula em 2002. Poderíamos estar em Ministérios, empresas estatais, conselhos e outros postos chaves na estrutura do Estado. Ganhando muito dinheiro e prestígio junto ao poder. Optamos por outro caminho. Com a ruína do projeto petista a partir do mensalão, optamos, de forma consciente, pela criação do PSOL para manter os ideais pelos quais lutamos ao longo de nossa vida militante. Nos movimentamos contra a maré. Mas tem sido um movimento que nos deixa com a consciência tranqüila, apesar de todas as dificuldades. Não participamos do mensalão e da degeneração do lulo-petismo e das espúrias alianças por eles costuradas com o PMDB e com todo tipo de político que tenha se aproximado, fisiologicamente, do governo Lula nos últimos oito anos.

Ainda não fechamos a prestação de contas de nossa campanha. Talvez cheguemos a gastos em torno dos 50 mil reais, recursos arrecadados junto a militantes e apoiadores, todos com “fichas limpas”. Para nós, conta e muito, saber quem são os apoiadores financeiros de Joaquim Roriz e de Agnelo Queiroz e quais os compromissos que foram selados com esses segmentos empresariais para o futuro governo. Esses empresários “investiram” alto nas duas campanhas e estão esperando o retorno, qualquer que seja o eleito entre essas alternativas. Isso não conta para você? Você acha mesmo que tenhamos que “tapar” o nariz e votar em Agnelo?

Veja o exemplo de Eduardo Brandão, o candidato do PV. Suas declarações e o seu despudorado e risonho abraço em Agnelo Queiroz declarando o apoio de seu partido, não me parece nem um pouco digno. Para mim, foi uma cena constrangedora. Brandão “descia o pau” em Agnelo e agora está ao seu lado, apoiando-o. Esse fato reforça a máxima que costumamos ouvir do povo nas ruas, que político é tudo igual. Basta chegar ao poder que todo mundo corre para o lado de lá!

Busquei manter a coerência com tudo que defendi e preguei durante a campanha de 1º turno na capital do país. Há menos de 10 dias atrás, ainda na fase dos debates nas principais emissoras de televisão, eu assinalava minhas diferenças programáticas, ideológicas e de caráter diante das três candidaturas, com ênfase especial na crítica a Joaquim Roriz/Frejat e à dupla Agnelo/Filipelli e respectivas coligações e partidos.

Contra Roriz, além das críticas programáticas e de nossas diferenças ideológicas, deixei claro desde o início da campanha e em todos os debates e entrevistas, que fui eu, como presidente do PSOL, que ingressei com a ação judicial pedindo sua impugnação como candidato por infringência à lei 135/2010 (Ficha Limpa). Roriz é ficha suja, e por isso renunciou mais uma vez para fugir à condenação. Aqui, faço questão de registrar que nem o PT e nem o PMDB tomaram qualquer iniciativa de tentar barrar judicialmente a candidatura de Roriz. Tinham medo de quê?

Sobre a coligação de Agnelo/Filipelli, minhas críticas foram também de conteúdo programático, quando dizia que dificilmente ele governaria com a aliança que chamei em determinado momento de um verdadeiro “saco de gatos”, devido à contradição básica de ter políticos como Agaciel Maia, Roney Nemer, o próprio Tadeu Filipelli, Benício Tavares e tantos outros, inclusive petistas com passagens no triste episódio do mensalão, que o assessoravam diretamente. E caso governasse, seria um governo como outro qualquer, onde a repartição dos cargos na estrutura do Estado seria uma “guerra de foice no escuro”.

Por todos esses fatos é que tomei a decisão, juntamente com o Partido Socialismo e Liberdade, de declarar o voto nulo no segundo turno dessas eleições. Quero relembrar que não é a primeira vez que voto nulo. Nos anos 70, quando estudante universitário e ainda residia na cidade de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, ANULEI, também de forma consciente, meu voto nas eleições parlamentares de 1974. Mais do que isso, fiz campanha com uma parcela expressiva de estudantes e operários pelo voto nulo, como forma de protesto contra a falta de liberdade de expressão e de organização partidária durante aquele período da ditadura militar.

Quanto à sua carta, achei os termos duros, muito adjetivados e carregados de emoção. Tudo compreensível num momento de polarização da sociedade em torno do processo eleitoral. Talvez nos seis primeiros meses do governo Agnelo, você volte a escrever-me para dizer que eu tinha razão. Conheço muito bem todos os personagens da vida política local que estão alinhados e liderados pelo PT-PMDB, e principalmente seus interesses imediatos e futuros. Conheço também as empresas e os financiadores de campanha dessa coligação e quais seus interesses nesse processo. Sempre que foi possível falei desse fato, inclusive nos debates.

Certamente você sabe porquê o Agnelo não se comprometeu em nenhum instante em revogar o PDOT ou em assumir a instalação imediata de auditorias em todas as contas das Secretarias, Administrações Regionais e Empresas do GDF. Isso mexeria profundamente em sua base de apoio e nos compromissos costurados por Lula-Dilma, num poderoso jogo de interesses costurados nacionalmente. Agnelo é uma peça desse sistema. Anote o que estou dizendo nesse momento, para conferirmos mais tarde.Torço sinceramente para que tenhamos um governo ético, que atenda às reivindicações do povo do Distrito Federal, que não roube e nem deixe roubar. Que todos os meios de comunicação, os analistas políticos, cientistas sociais, organizações sindicais, os partidos políticos e suas bandas sadias disputem o rumo do futuro governo para o bem e para uma gestão honesta e transparente. Farei isso de forma crítica e independente, buscando honrar os votos e a confiança de quase 200 mil eleitores de nossa Capital.

Antes de terminar essa carta, gostaria de fazer um comentário sobre um dos maiores heróis de nossa história, que foi Luiz Carlos Prestes, citado por você em seu artigo. A historiografia, fatos e depoimentos deixados pelo velho líder comunista, deixam no ar que seu gesto de apoio a Getúlio Vargas na eleição constituinte de 1946 não foi compreendido por parcela importante do próprio PCB, de sua direção à base. Graças ao modelo rígido de decisão do Comitê Central do PCB, baseado no centralismo democrático, é que a decisão de apoiar Getúlio Vargas foi adiante. Eu a considero um dos maiores equívocos da gloriosa e heróica trajetória do grande líder comunista, como ficou provado, quando o PCB foi colocado na ilegalidade e seus principais líderes foram para a prisão ou caíram na clandestinidade no pós-1946, inclusive a expressiva bancada de parlamentares comunistas, lideradas por Luiz Carlos Prestes, eleita naquele ano.

São essas as razões de meu gesto nesse momento da história política de Brasília em seus 50 anos de existência. Espero sua compreensão para esse gesto, mesmo que você mantenha sua posição, que continuarei respeitando-a.

Quero enviar um forte e fraterno abraço a você.

Antônio Carlos de Andrade/Toninho do PSOL

FONTE: http://toninhodopsoldf.blogspot.com/

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